Sabia que algo estava errado no momento em que senti o chão debaixo de mim, estava fofo demais, o chão da toca de Bunnymund costumava ser mais duro por ser justamente embaixo da terra, então quando tateei o chão e senti a grama, tive certeza de que não estávamos onde achei que estaríamos e ao julgar pela cara de Cupid imaginei que nem ele sabia, e enquanto North e Bunny discutiam, ele me ajudava a levantar.

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— Obrigado. — O agradeci depois que peguei meu cajado do chão, observei o novo local, era uma floresta e já estava bem tarde, não era possível ver o sol, apenas a luz da Lua que iluminava lentamente a copa das árvores e quase encontrava um lago que estava há poucos passos de nós, sabia disso por conta do reflexo da água, era um lago bem grande e o relevo ali não era muito alto.

Não parecia ter mais nada em volta a não ser as árvores, nenhum sinal de civilização, aparentemente éramos apenas nós ali. Procurei por Sandman para encontrar alguma expressão que pudesse nos confortar, só que ele estava perdido no meio da discussão de North e Bunnymund tentando apartá-los sem sucesso.

— Onde estamos? — Perguntei tentando puxar um assunto.

— Eu sabia que o plano era péssima ideia, por que você não me ouviu North? — Porém fui ignorado com sucesso.

— Pelo menos nós tentamos alguma coisa, Bunny. Não se preocupe, não perdemos Toothiana.

— Não perdemos? — Bunny encarou North fixamente, senti um arrepio imaginando que a briga ficaria física a partir dali, comecei minha aproximação devagar. — Aquela por a caso parecia a nossa amiga, North?! Parecia alguém que você conhece a vida toda?!

— Não, mas... — Ele procurou pela resposta, nunca o tinha visto daquele jeito. — Tenho certeza que a nossa amiga está ali em algum lugar, nós iremos achar um jeito de trazê-la de volta.

— Quando você vai entender que acabou, North?! — Bunny deu as costas com as patas na cabeça. — Uma coisa é fazer as crianças acreditarem em nós de novo, outra coisa é as fazer verem como realmente somos.

— E outra coisa é trazer o guardião dos sonhos de volta dos pesadelos. — A resposta veio logo atrás de mim, pouco antes que eu chegasse próximo dos dois, preparado para qualquer movimento. A atenção voltou toda para Cupid. — Não importava o que fizéssemos Bunny. O dono da sombra de Pitch já vinha manipulando a visão das crianças, era questão de tempo até que Toothiana passasse por aquela transformação, o único jeito seria impedindo o dono e não sabemos quem ele é.

Bunny ficou em silêncio, ainda estava nervoso, mas a resposta de Cupid o faria mais pensativo a partir dali, porque era verdade. Tooth, aparentemente, vinha sendo atormentada não só por pesadelos, mas também pelo nosso mais novo inimigo, ela foi forte o suficiente para aguentar tudo, mas... Alguma coisa mudou. Tudo tinha acontecido muito rápido, porque estava acontecendo tão depressa? Por algum motivo me afixei a uma das frases que a própria guardiã havia dito: "Até o Halloween, tudo vai mudar...", então outra pergunta me ocorreu, por que o Halloween de repente ficou tão importante? Afinal até pouco tempo atrás eu nem mesmo sabia que a cidade do Halloween existia.

Os pesadelos, o sequestro daquelas crianças, as profecias, os três fantasmas na biblioteca de Cupid, tudo começou ali, na cidade do Halloween. Espera. Os três fantasmas.

Cripy, Spuky e Gaspar. Eles fugiram logo após o sequestro daquelas crianças e ainda não queriam que ninguém mais soubesse que eles estavam ali, era razoável, fugir depois daquilo, mas por que agora uma pulga atrás da orelha insistia que havia mais um motivo oculto?

— Para onde foi que você nos trouxe, Bunny?

— Não tenho certeza, Jack. Não estava pensando em nenhum lugar em especial... Apenas... Queria sair de lá. — Ele suspirou. — Com Toothiana, mas sei que isso não será possível agora.

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— Nós iremos trazê-la de volta a nós, meu amigo, não se preocupe. — North tentava reconfortar, mas não parecia que ele acreditava no que dizia. Perdemos Sandman uma vez e foi bem difícil, pois acreditávamos que ele havia morrido, mas agora era outra história. Era uma perda diferente. Tooth não estava morta, estava bem viva, porém não era mais nossa aliada, não era nossa amiga.

— Será que pode nos tirar daqui agora, por favor? Esse lugar está me dando arrepios. — Desviei meu olhar para Cupid que se mantinha desatento olhando desconfiadamente ao redor, ele realmente parecia meio assustado.

— Você está bem, Cupid?

— Sim, — Seus olhos encontraram o meu e automaticamente fitei seus lábios. — mas ficarei ainda melhor se pudermos sumir deste lugar, estou com uma sensação estranha. — Sorri em resposta, procurando por Bunny que estava com a cabeça cabisbaixa, fitei North que apenas bufou enquanto mexia em seus bolsos. Bunnymund não parecia centrado o suficiente para nos tirar dali, então nossa única saída mais rápida seria pelos seus globos de neve.

— Espera. — Cupid sussurrou, antes que North continuasse a sua procura, todos o olhamos confusos. — Ouvi alguma coisa. — No entreolhamos e resolvi focar mais na minha audição, fora o barulho dos ventos, bem próximo de nós, Cupid estava certo, tinha um barulho, alguém caminhando por entre alguns arbustos. — Vamos, North, agora.

— E se for a Toothiana? — Bunny já ressoava esperançoso.

— Se fosse Toothiana, seria um bater de asas, não ouço asas, ouço passos.

— O dono da sombra?

— Não estamos em condição de enfrentar ninguém agora, Bunny. North pegue logo o globo e vamos sair daqui! — Mas não tivemos muito tempo para nos agrupar, seja quem fosse já estava bem próximo de nós e tínhamos percebido sua presença muito tarde, então quando North quebrou o globo de neve, abrindo o portal, ele, Bunny e Sandman conseguiram pular, porém Cupid e eu ficamos para trás, tudo aconteceu muito rápido principalmente a parte em que o guardião do amor me empurrou para os arbustos enquanto ele continuava no mesmo lugar.

Porém em uma versão jovem sua, aparentemente, tinha as suas mesmas características, até mesmo a perna que faltava, porém mais desajeitado, baixo, mais jovial, mais... Fofo, meu coração disparou, será que aquela aparência realmente fora sua um dia? Se tivesse sido não acredito que eu suportaria ficar próximo sem querer beijar suas bochechas que eram ainda mais rechonchudas do que ultimamente eram.

— Quem está ai?

Assim que me recuperei do empurro do guardião, tratei de me esconder melhor entre as árvores, seria melhor do que ficar jogado no chão, não demorou muito e caminhando bem próximo de nós apareceu uma figura da mesma altura que Cupid, mas era uma criança, não um ser mágico como suspeitávamos.

— Oi. — Era um menina e ela parecia surpresa em vê-lo ali, assim como ele que desajeitadamente levantou a mão saldando-a. — Quem é você e o que está fazendo aqui? — Encolhi meu corpo para esconder-me melhor usando a silhueta da árvore e arranjei um jeito discreto de subi-la a fim de ter uma visão melhor dos dois.

— Hum... — Cupid foi pego de surpresa, ele coçou a cabeça antes de pensar em uma resposta. — Oi, — Deu uma risada meio forçada e eu não sabia ainda se meu coração estava disparado com medo que ele pudesse dizer algo errado, ou porque ele simplesmente estava fofo demais! — eu sou, hum, Hic... Ricky! — Ele se corrigiu quase dizendo o verdadeiro nome.

— Hã... — Resmungou suspeita e eu só pude rezar para que ele soubesse sair daquela situação. — E o que você está fazendo por aqui? Veio para ver o espirito também?

— Espirito? Eu, hum... — Mas ela o ignorou enquanto ele continuava a coçar a cabeça. — Na verdade, estou perdido...

— E de onde você é? — Ela cruzou os braços, impedindo que ele conseguisse terminar de falar.

— Eu, hum... Sou de uma cidade aqui perto... — Ele não parecia tão confiante assim, o que aconteceu com ele? Só porque mudou sua aparência, perdeu o jeito de ser?!

— Sei... — Ela ainda o analisava dos pés a cabeça, deveria ser estranho encontrar uma pessoa com uma perna de metal, ainda mais sendo uma criança.

— Mas e você, veio encontrar alguém? — Cupid tentou esconder a perna de metal atrás da outra, ela ficou pensativa com sua pergunta e em seguida apenas negou com a cabeça.

— Na verdade não... — Ela mexeu a cabeça na direção do lago, desviando do olhar do outro.

— Então por que está aqui?

— Por conta do... — Ela mesma se interrompeu, parecia meio desconfortável. — Não... Você não vai querer saber... — Cupid olhou em volta, como se estivesse procurando por alguém, pensei em sinalizar que estava ali também, mas antes que pudesse, sua atenção voltou para a garota.

— Não se preocupe, pode me contar. — Os dois ficaram em silêncio, a menina o analisou por alguns segundos, antes de finalmente voltar a falar.

— Contarei se você me disser o que houve com a sua perna. Um segredo por um segredo. — O guardião ficou pensativo e parecia incomodado com o assunto, nem eu tive a coragem de perguntar o que aconteceu com sua perna com receio de que ele pudesse recuar de mim, mas aquela menina não parecia ter notado. — Desculpa, esquece. — Ou talvez tivesse. — Eu...

— Foi um acidente. Estava brincando com o meu... Animal de estimação. Acabei... Prendendo a perna em algumas rochas e a quebrei. — Ele não parecia ter certeza do que estava falando, não soava como uma história real, mas deve ter sido o suficiente para ela.

— Estou aqui por conta do espirito do lago.

— Espirito do lago? — Ela conseguiu chamar a nossa atenção.

— Sim. — Ela fez uma pausa, analisando Cupid. — Você não sabia? Há rumores que de vez em quando de noite, aparece um espirito na beira do lago... Mas outros acreditam que seja uma das almas da vila desaparecida. — Ele parou por um instante, foi um silencio estranho entre os dois, consegui ver que a pequena estava meio constrangida.

— Desculpa... Estou meio perdido, nós estamos aonde exatamente, sabe me dizer? — Ele tinha pensado em alguma coisa, pude ver a sua inquietação.

— Ué, estamos bem próximos de Sleepy Hollow... Realmente não sabe onde está?

Desliguei por um minuto, o nome "Hollow" batucou na minha mente e as imagens dos meus sonhos voltaram, e quem ficou inquieto foi eu, comecei a olhar em volta do lago, todas as árvores estavam com folhas, aparentemente nenhuma estava retorcida, sem folhas ou velha. Mas não tinha como errar, seria muita coincidência encontrar um lugar com o mesmo nome que tenho sonhado.

Olhei o céu procurando a Lua, estava minguante, a do meu sonho era cheia, mas se elas seguissem o mesmo curso ficariam bem a cima do lago, seu reflexo perfeitamente espelhado na água calma, o que significa que em meu sonho estava vendo a lua mais abaixo de um relevo para que ela pudesse aparecer no cruzamento daquelas duas árvores, pois não lembrava de ter visto uma gota de água naquelas imagens.

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— Acho que andei demais e acabei me perdendo... — Ouvi o guardião do amor comentar. — Espera, você falou vila desaparecida?

— Sim. Sério mesmo que você nunca ouviu falar? — Dava para ver que ele sabia alguma coisa, mas o conhecendo, ele só queria uma confirmação. Talvez fosse algo relacionado a Nightlight, mas não era certeza. — Mas de que lugar você é garoto? — Ele ficou nervoso e ela bufou. — Vamos, venha comigo, vou te contar. — Ela pegou na mão dele e o puxou para longe do lago.

— Mas e o espirito?

— Venho aqui quase toda a noite, não dei a sorte de ver nada ainda, posso tentar outra noite ainda. Vamos, vou te mostrar Sleepy Hollow. — E continuaram caminhando, tratei de rapidamente de descer da árvore que estava, mas com cuidado para que eles não notassem que tinha alguém os seguindo. — Aliás, meu nome é Satrina.

❄❅❆❆❅❄

Por um momento pensei que tínhamos sido flagrados, não que seja uma coisa ruim as crianças poderem nos ver e, ainda melhor, acreditarem em nós, mas nos ver cria uma certa expectativa que sempre apareceremos para elas e se suas expectativas forem quebradas pode levar a uma falta de fé, e não é isso que queremos. Então evitamos o quanto podemos, essa foi a primeira coisa que aprendi com eles, logo após a nossa vitória contra Pitch.

E agora, de repente, conheço Cupid que, de certa forma, é o contrário do que me foi ensinado, mas ele também não era um guardião qualquer, se fossemos pensar que ele foi um dos primeiros a existir, porém era incrível ver essa sua habilidade de mudar a sua aparência para qualquer um, não só para os humanos, mas até mesmo para nós.

Então vê-lo interagir tão próximo das crianças era estranho, algo que ainda não estava acostumado.

Ele pareceu ter quebrado a barreira que Satrina tinha criado de algum jeito, ela parecia um pouco mais confortável em conversar com ele, enquanto isso eu consegui manter uma distância segura e acompanha-los. Não encontrei vestígios das árvores do meu sonho, mas era certeza que alguma coisa ia acontecer ali e ao que tudo indicava no Halloween.

— Então... A vila desaparecida?

— Sim, é uma lenda antiga de Sleepy Hollow que acreditam que tem ligação com o Cavaleiro Sem Cabeça. — Ela começou. — Aquele lago nem sempre existiu, antes ali existia uma vila que desapareceu de um dia para o outro, assim como as pessoas, sabe? E o lago apareceu no lugar que ficou conhecido como Hollow Lake. — Ao longe já conseguia ver uma cidade. — A cidade inteira se comoveu com as pessoas desaparecidas e nasceu um tipo de evento na cidade, All Hallow's Eve, onde o pessoal ia até Hollow Lake com velas e oravam ou qualquer coisa do tipo.

— Espera, mas All Hallow's Eve, o Dia de Todos os Santos...

— Hoje conhecido como Halloween, sim. Tem umas teorias meio loucas que falam que o culpado de tudo isso seria a Lua, já que algumas vezes ela paira a cima do lago, sabe? Então ele também chamado de Lago da Lua ou Espelho da Lua. — Eles pararam mais um minuto, voltei a me esconder atrás de uma árvore enquanto ainda podia, Cupid e Satrina não deram mais um passo. — O que foi?

— Nada é só que... — Sua voz falhou e esperei que não fosse pelo que eu pensava ser, pois não poderia confortá-lo enquanto estivesse com ela. A ouvi repetir suas últimas palavras, ela estava esperando ele se recompor. — É que para uma criança você é bem informada. — Ouvi sua risada.

— E quantos anos você acha que eu tenho? — Ele ficou sem resposta. — Tenho onze anos tá, não sou mais uma criança.

— Ainda é para mim. — Dessa vez os dois riram juntos, ouvir a risada de Cupid foi reconfortante, nem sabia que meu coração estava acelarado até ouvir aquele doce som e conseguir me acalmar.

— E você tem quantos anos? Dez? — Ela continuou a rir, Pegue essa idade e multiplique por alguns mil anos e terá a idade aproximada de Cupid, não pude evitar o pensamento e muito menos rir com ele, foi o suficiente para que eles ouvissem. — O que foi isso?

— Deve ter sido o vento.

— Não, não parecia o vento. — Droga. Voltei a ficar entre as árvores, com cuidado para que não houvesse nenhum barulho, mas ainda conseguia ouvi-los. Pior do que imaginei, estavam correndo na minha direção.

— Satrina, aonde você está indo?! — Cupid falava quase gritando. — E a cidade?!

Continuei correndo, com a ajuda do vento, para o mais longe possível dos dois, e percebi meu erro. Estava tentando me afastar, mas acabei foi retornando ao lago de onde tínhamos acabado de sair.

E foi bem ali que tive minha segunda surpresa.

Parecia um fantasma correndo a beira do lago, bem distante de mim. De repente fui atingido por uma familiaridade indescritível e retornei ao ouvir a voz de Cupid ainda chamando a atenção de Satrina. E tive uma ideia ao sentir a temperatura do ambiente, estava meio quente. Voltei meu olhar para o lago e comecei a trabalhar com a minha mágica.

Fiz os primeiros movimentos circulares com as mãos enquanto segurava meu cajado, sentindo a temperatura fria envolvendo minhas mãos, concentrando no cajado e o finquei no chão, deixando que a onda fria se espalhasse pelo solo e a superfície da água. Houve uma queda de temperatura e logo começou a se formar a neblina, como se estivesse saindo do meio das árvores e da própria água do lago, cobrindo o lugar pouco a pouco.

Quando eles chegaram, já conseguia me esconder melhor, coloquei o capuz e fiquei ali, até pensei em ficar escondido entre os arbustos, mas honestamente? Estava cansado de tanto fugir e sumir, então fiquei ali analisando aquela visão enquanto Cupid e Satrina se aproximavam cada vez.

E como era de se esperar sua corrida não tinha sido em vão, uma vez que o fantasma estava bem nítido apesar da neblina e dessa vez ele estava mais perto, assim pude ver melhor sua silhueta, parecia com aquela vista em meus sonhos, segurando seu próprio cajado. Ele parecia caminhar e dançar ao mesmo tempo. Não ousei olhar para trás e nem prestei muita atenção em Cupid e Satrina, se é que eles estavam comentando alguma coisa, mas imagino que o tenham visto e ficado em estado de choque, assim como eu.

Alguém emitiu um som estranho, meio assustado como se fosse uma risada presa, naquela hora imaginei que devesse ter sido a garota, o guardião do amor jamais emitiria tal som. E no instante seguinte, por algum motivo, parou, quando finalmente resolvi olhar para trás encontrei um Cupid criança com asas enormes de dragão, sendo que uma delas segurava a sua nova amiga.

— Ela está bem, apenas desmaiou. — Logo disse, mas seus olhos estavam fixos em outra coisa e bem sabia no que. — Não se preocupe, sei quem é, mas não é real. Parece um tipo de projeção. — Ele cuidadosamente colocou Satrina no chão e fiz uso do cajado para retirar a neblina que nos cercava, nos dando uma visão mais clara da tal projeção. — Vamos segui-lo. — E guardou suas asas caminhando normalmente em seguida.

De um momento para o outro ele tinha se tornado novamente o guardião que eu conhecia.

Não foi uma caminhada longa, mas foi silenciosa o suficiente para parecer uma eternidade. Não chegamos a nos afastar muito do lago, apenas subimos um o relevo pelo outro lado enquanto a paisagem continuava a mesma.

— Cupid.

— Sim?

— Como viemos parar aqui? Sabe depois de Tooth... Até mesmo Bunny parecia não saber onde estávamos. — Ele parou de caminhar. — E por algum motivo você parece bem tranquilo quanto a isso.

— Somos guardiões, Jac... Garoto da neve. — Engasgou virando-se para me encarar. — Não há muito que ficar assustado, qualquer coisa posso voar daqui e você também. Bunnymund poderia entrar em seus túneis de novo, North usar seus globos de neve e Sandman...

— Não mude de assunto. — O cortei antes que continuasse a me enrolar e ele sorriu. — Você parecia muito a vontade com a sua amiguinha nova, principalmente quando ela começou a contar sobre aquelas lendas bizarras.

— Ciúmes? — Desviei o olhar. Não era ciúmes. — Qual é Jack, tenho mais de mil anos, ela é só uma garotinha e eu só queria lembrar.

— Acho que você esqueceu que não parece ter mil anos no momento. — Ele riu novamente. — E você está mudando de assunto outra vez, pode parar. O que você queria lembrar?

— Tá bom, tá bom. A verdade é que aquelas “lendas bizarras” — Levantou os dedos para indicar as aspas, bufei, sem notar. — são verdade, em parte, assim como muitas coisas dos guardiões. — O guardião pareceu me analisar, em parte tinha entendido o que ele disse. — Existem muitas histórias, mas fora nós, quem sabe a verdadeira? Não é como se houvesse um livro da Mamãe Ganso contando contos de fadas sobre nós, ninguém escreveu sobre quem éramos antes disso, apenas contam o porquê chegamos a essa vida. É quase como um telefone sem fio, as verdades vão se distorcendo até que ninguém mais sabe se é ou se não é.

— Chega de filosofia. — Ele definitivamente estava começando a me embaralhar e riu novamente. Foi um péssimo dia para ele escolher sorrir o tempo todo, já foram pelo menos o quê? Umas quatro vezes? Não que esteja reclamando.

— O ponto é que a verdade está ali no meio, disfarçada, o que de certa forma acaba sendo divertido, nem sempre as coisas são tão poéticas. É o caso desse lago. — Cupid apontou para trás, me obrigando a acompanhar. — Há muitos anos, antes da existência dos guardiões, ali havia uma vila que foi o centro do primeiro conflito entre Luz e Trevas. Pitch e Nightlight. Sabe Pitch aterrorizou tanto aquele lugar que muitos de seus habitantes chegaram a morrer.

— Pitch... Matou pessoas? Isso não... — Era confuso. — Não parece com ele. Como sabe disso?

— Eu estava lá. Sei o que você ouviu e sei o que viveu, mas antes ele não se alimentava apenas do medo que causava, naquela época não parecia ser o suficiente. Pitch fazia seus corações parar e isso sim o tornava real. Real e perigoso. Nightlight e eu o procuramos por muitos anos e pensei que tinha acabado quando seguimos seu último rastro naquela antiga vila, esperávamos encontra-lo, mas acabamos encontrando seu irmão...

— Jack Skellington. — Deixei escapar.

— Sim. Jack pediu por piedade e eu vi sua alma. Do mesmo jeito que eu vi uma pequena chama em você garoto da neve, vi uma nele. Nightlight me ouviu e assim o poupou, foi quando Pith apareceu furioso, acreditando que seu havia sido sequestrado ou algo do tipo, nem lembro mais o que ele tanto gritava naquele dia. Começamos a batalhar, você tinha que ver, foi uma luta épica com vários ataques mágicos, combates corpo a corpo, coisas sendo arremessadas, explosões, kabom! — Ele fez um barulho de explosão. — Eu ainda tinha jeito para uma boa batalha naquela época.

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— E hoje você não tem mais? — Perguntei sorrindo.

— Faz muitos anos que não luto, mas enfim... A vila ficou destruída. Ainda lembro-me de Jack gritando para Pitch para que parasse, que ele tinha realmente escolhido o outro lado e seu irmão ficou tão furioso que simplesmente deu as costas e foi embora. Mesmo que poupado, Nightlight sabia que não podia deixa-lo livre no mundo, as pessoas o confundiriam com seu irmão, então para a sua proteção ele sumiu com aquela vila destruída e reviveu seus habitantes, porém os colocou em uma dimensão isolada e paralela a nossa, trancada por uma única chave.

— Nossa... Nightlight tinha poder para fazer tudo isso? — Como é que um cara desse desaparece então?!

— Sim... E no lugar da vila ele colocou um lago. Quando as pessoas da cidade mais próxima descobriram que não havia mais nada naquele lugar começaram com os rituais aos espíritos dos desaparecidos, todo dia 31 de outubro. O dia ficou conhecido como dia de Todos os Santos ou All Hallow’s Eve, o que veio a se tornar Halloween muito tempo depois.

— Espera. — Voltei a encará-lo. — Então quer dizer que aqui, esse lugar... Aqui é o berço do Halloween? Aonde o feriado nasceu?

— Sim. — Foi como uma explosão de pensamentos dentro da minha cabeça. Tinham tantas coisas que eu ainda não sabia sobre esse nosso universo que me perguntava se algum dia por a caso saberia tudo o que precisava, pois nada parecia ser o suficiente, desde que Cupid entrou na minha vida cada dia tem sido um conhecimento novo.

Então notei um pouco mais a frente, galhos se formando e pareciam bem secos, salvos por algumas folhas que ainda restavam se não fosse por isso aquelas árvores com certeza seriam dadas como mortas. Resolvi olhar para trás sem parar de andar para ter uma noção da nossa perspectiva e estava cada vez mais familiarizado com o ambiente.

— O que foi? — Cupid perguntou, a Lua estava bem no alto, não exatamente sendo refletida no lago, mas sua luz com certeza o atravessava, dando uma beleza aterrorizante ao local.

Foi quando retornei a acompanhar Cupid que realmente entendi onde estávamos.

Ali estavam as duas árvores do meu sonho, só que mais vivas. Nem percebi quando passei correndo pelo guardião, a tal projeção estava ali, fazendo alguma coisa com as árvores no lado oposto ao meu, não prestei muita atenção, pois meu foco estava mais na imagem que se formava a minha frente.

— Jack!

Aquelas duas árvores e a Lua. Estava claro, meu sonho se passava ali e se aquela projeção era Nightlight, então sabia o que ele me diria.

— O que ele está fazendo? Parece estar escrevendo alguma coisa ali. — Apontei para as árvores, dei outro salto para ficar do mesmo lado, Cupid fez o mesmo, virou-se para observar e se aproximou das mesmas, esticando a mão para encostá-la.

— Isso é... — Ele tocou o tronco, fazendo alguns gestos com os dedos, como se analisasse algo. — Parece areia e — Chegou mais perto e cheirou. — saliva de dragão.

— Por que essa mistura? O que é isso?

— É platina em pó, é como alimento o fogo interno dos meus dragões, é bem fácil de conseguir, principalmente num lugar como esse, a areia do lago provavelmente estará cheia disso. E a saliva é só pra poder grudar ali por um bom tempo, faça chuva ou faça sol, saliva de dragão tem propriedades muito potentes.

— Mas pra quê isso?

— Para deixar uma mensagem. Era assim que fazíamos, de vez em quando deixávamos mensagens escondidas um para outro, era divertido procurar por elas. — Ele se afastou sorrindo, me distanciando junto dele das árvores.

— E como sabemos o que está... — Ouvi um estalo e quando olhei para o lado uma chama flutuava em suas mãos, ele não hesitou nem um pouco, simplesmente lançou a chama como um jato de fogo para as duas árvores, me assustando completamente. — Você está louco?!

Mas louco ficaríamos nós depois dele ter terminado com seu show, assim que apagou suas chamas, vimos apenas brasas no tronco das árvores que tinham sofrido muito com o ataque súbito, mas ainda era possível ler o que tinha ali. Sim, ler. Realmente tinha uma mensagem naquele tronco queimado e ela não poderia ser o mais assustadora possível, como se tivesse sido tirado dos meus pesadelos: “Ele estará esperando por você aqui, Jack”.

❄❅❆❆❅❄

— Acredita em mim agora? — Cupid parecia ainda não levar muito a sério a história dos sonhos serem algum tipo de premonição.

A projeção de Nightlight já tinha desaparecido e nós ainda estávamos ali encarando a mensagem deixada por ele naquelas árvores, eu já tinha contado a Cupid o que tinha acontecido quando todos nós entramos no mundo dos sonhos, inclusive o que eu tinha sonhado, mas ele ainda parecia meio cético em relação a isso, porém ver aquela mensagem mudava completamente a nossa situação.

Mas talvez o pior fosse a minha curiosidade.

Apareci muito tempo depois que o grande amor de Cupid desapareceu, e por algum motivo ele já sabia da minha existência e deixou tudo preparado para os dias de hoje: meus pesadelos, o encontro com o subordinado da Lua e até mesmo a nossa aparição ali no lago da Lua. Então me perguntava como um cara tão inteligente e poderoso como ele poderia ter desaparecido assim do nada, deixando para atrás apenas algumas pistas do seu suposto paradeiro, ele queria que o encontrássemos e se já sabia onde estaria, por que não nos contar logo onde o encontrar?

"Há certas coisas que não devem ser reveladas ainda, tudo ao seu tempo, Jack Frost", a voz de Nightlight ecoou em minha mente respondendo a minha pergunta. Além disso, ainda tinha a minha conversa com North dentro do sonho daquele rato, lá tinha confirmado em partes a suspeita de que o que o subordinado da Lua disse era verdade: o protetor da Lua tinha lido o Livro da Vida e por isso sabia de muitas coisas.

— Vamos seguir o que ele pediu ou não?

— O que quer dizer? — Finalmente ele me encarou, não tinha nada ali que demonstrasse tristeza ou qualquer outra emoção, talvez ele realmente estivesse se esforçando para manter a sua promessa.

— A magia do seu arco me empresta Cupid. Tenho que aprender a controla-la, talvez assim a gente consiga acabar com tudo isso. — Ele suspirou. — O que foi?

— Tenho escondido uma coisa, não só de você, mas de todos.

— E o que é?

— Eu encontrei uma coisa na Transilvânia depois daquele acidente que tivemos e não tive um pressentimento muito bom, então fui visitar uns antigos colegas.

— Quem?

— Você provavelmente não os conhece. — O fitei sério, estava cansado de não conhecer todo mundo. — Lady Catrina, Xibalba e o Homem de Cera. — Certo não fazia a mínima ideia de quem eles eram. — Eles são espíritos, cultuados como deuses dos mortos no México, mas não deixam de serem guardiões como nós, eles apenas não foram reconhecidos pela Lua. — Ele continuou como se tivesse lido meus pensamentos.

— E o que você encontrou? — Ele fez um minuto de silencio, me observando como se ainda pensasse se deveria ou não contar. Percebi-o segurando firme em seu arco que estava apoiado em seu ombro cruzando o corpo.

— A primeira flecha que você atirou naquele dia. — Era raro, mas sentir aquele famoso "frio na barriga" não era uma coisa boa, parecia um presságio de que alguma coisa ruim iria acontecer e era exatamente o que eu estava sentindo conforme Cupid falava. — Depois que todos fomos embora, voltei para procura-la, segui o rastro de magia e a encontrei. Não cheguei a toca-la com receio de que a minha magia sucumbisse a sua como aconteceu naquele dia.

— E ai você levou para esses guardiões. — O termo correto talvez não fosse aquele, mas não precisamos de formalidades. Ele assentiu. — E o que eles disseram a você?

— Lady Catrina reconheceu a flecha como uma das minhas, mas a magia não. Não tinha um pingo de amor envolto naquela flecha... Na verdade não tinha nada nela, Jack Frost, além de um vazio congelante e mortífero.

— O que você quer dizer? — O guardião parou um instante para pensar, ainda estava receoso.

— Tente não se ofender com o que vou dizer. — Acenei para que ele continuasse, não achava que tinha como ele me ofender mais. — Pense que o amor é preencher lacunas nas vidas das pessoas, dar um novo rumo, ele é, literalmente, vida. Aquela flecha não tem nada disso, pelo contrário, ela aumenta o vazio e seu destino é apenas um. — Fez outra pausa. — Morte. — Uma onda percorreu meu corpo.

Como imaginava aquele frio na barriga não era uma boa noticia e aquela onda que me invadiu... Foi desesperador. O novo poder, a nova magia que Nightlight quer que eu controle, estava relacionada a morte. Era isso que ele queria que eu controlasse? Para que eu não machucasse ninguém? Ou pior, para que eu machucasse mesmo?

— Cupid. Eu... — Engoli em seco, não queria que aquelas palavras saíssem da minha boca, não queria uma confirmação. — Matei alguém? — Já sentia as lágrimas em meus olhos, não podia ser verdade, que tipo de fardo era aquele? Passar de guardião das crianças para um... Matador? — Eu matei alguém na Transilvânia?

— Não, Jack, não aconteceu nada, foi apenas um susto.

— Apenas um susto? Cupid alguém poderia ter se machucado! — Alterei a minha voz, não estava mais calmo, estava apavorado. — Não é como uma das suas flechas!

— Eu sei Jack, eu sei... Quando vi aquele nome escrito... Jokul Frosti... — Sussurrou. — Eu soube que tinha alguma coisa errada, Jokul não era conhecido por ser um espirito gentil entre os vikings. Tinha lá suas travessuras, mas não era só disso que vivia.

— Obrigado, isso vai me ajudar muito. — Disse sarcástico, não queria. Realmente não queria estar agindo daquele jeito com ele, mas era quase que automático.

— Desculpa... Eu deveria ter esperado um pouco mais para falar isso... — O que eu estava fazendo?!, gritei internamente comigo mesmo, como poderia estar tratando Cupid daquele jeito? — Mas você entende agora o meu receio? Veja como você está, imagine o quão pior seria se alguma coisa realmente tivesse acontecido.

— Eu queria muito poder te odiar agora, porque você não está ajudando muito nesse momento, mas mesmo assim, acredito que devemos seguir o que o guardião primordial me disse.

— Mas Jack...

— Mas nada. Já me decidi. Você confia no Nightlight, certo? — Ele acenou, é claro que ele confia nele. — Ele disse que eu tinha que aprender a controlar essa nova magia, pra mim, aquilo, — Apontei para a mensagem na árvore. — é prova o suficiente de que não estou mentindo. — Ficou em silencio. — Nightlight também disse para não esconder as coisas de você, eu confio em você e você confia em mim? — Qualquer que fosse a necessidade dessa magia, não a usaria para machucar ninguém.

— Confio.

— Então me ajude a controlar isso. Não quero e nem vou machucar ninguém, mas pra isso acontecer preciso de ajuda. — Cupid não respondeu, seus olhos quem deram a resposta para mim. — Podemos treinar aqui mesmo, Nightlight sabia que apareceríamos aqui, ele não precisava deixar aquela mensagem, mas fez mesmo assim.

— Você tem um ponto... Mas e as outras coisas, garoto da neve? Toothiana, por exemplo?

— Não somos só eu e você, certo? Temos North, Bunnymund, Sandman e aparentemente um monte de amigos que você tem Jack Skellington, Lady Catrina, Homem de Cera e... Qual era o nome do outro? É meio estranho.

— Xibalba. — Respondeu sorrindo. — Ciúmes? — Senti meu rosto queimar por algum motivo.

— Não tenho ciúmes. — O respondi firme, não daria o braço a torcer. — Nós daremos um jeito de resolver toda essa situação, mas precisamos nos reorganizar.

Cupid assentiu, tinha concordado comigo e não tinha muita opção mesmo. Olhei para o alto procurando a Lua e ela continuava em cima do lago que refletia lindamente o seu reflexo, exatamente como um espelho, a projeção de Nightlight já tinha desaparecido, nem percebi quando, talvez quando o guardião do amor resolveu queimar o tronco daquelas duas árvores.

A segunda profecia da lua ecoou em minha mente.

Aquele que uma vez o terror prendeu e o horror poupou, Guardião Primordial o Homem da Lua nomeou. Por ele os Guardiões devem procurar e...

E me perguntava o que aconteceu com ele para que precisássemos procura-lo? Nightlight não parecia ser qualquer guardião, ele tinha sido o primeiro a ser criado, batalhado contra Pitch Black, criado uma cidade paralela ao nosso mundo e colocando nela Jack Skellington e provavelmente mais alguns feitos que eu devesse desconhecer. Quem seria tão forte o suficiente para fazê-lo desaparecer assim? E por quê?

Talvez aquelas fossem as perguntas corretas a se fazer.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.